quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Aldeia Imbuhy: clima de tensão com o Exército há mais de uma década

Diálogos com a Cidade:

Aldeia Imbuhy: clima de tensão com o Exército há mais de uma década

Por: Carolina Barreto da Silva Gaspar




Revista da Associação dos Docentes da UFF OUTUBRO/NOVEMBRO/DEZEMBRO/2008



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Nesta segunda edição de nossa seção “Diálogos com a cidade”, fizemos uma matéria com os moradores da Aldeia Imbuhy, comunidade tradicional situada junto à praias paradisía-cas, no interior de fortaleza militar que leva o mesmo nome. Ao contrário do que se pode-ria pensar num primeiro momento, morar na Aldeia Imbuhy não é assim tão maravilhoso quanto parece. Isso porque há mais de 10 anos,os moradores do local vivem em verdadeiro clima de guerra com o Exército.Tudo começou em 1995, quando o CoronelPaulo Roberto Bueno Costa proibiu a passa-gem de moradores, visitantes e convidados pela Guarda do Forte Barão do Rio Branco. Dessemodo, a única passagem liberada era a do por-tão situado na Guarda da Lagoa. Essa determi-nação se tornou sinônimo de um grande trans-torno para os moradores do local, que decidiram então entrar com uma ação na Justiça para re-abrir a outra passagem. Simultaneamente, en-traram com uma ação de interdito proibitório.Isso abriu espaço para que o Exército entrasse com um pedido de reintegração de posse e ob-tivesse vitórias judiciais em 1ª e 2ª instâncias.Por decisão da Justiça, os moradores da Aldeia Imbuhy, que lá vivem há décadas, devem deso-cupar a área, uma vez que supostamente “cons-tituem ameaça à segurança nacional”.Dessa contenda judicial de 1995 para cá, a relação dos moradores da Aldeia com o Exér-cito se deteriorou progressivamente. Em nossa visita ao local, conversamos com diversos alde-ões e não faltaram denúncias de arbitrarieda-des que teriam sido cometidas pelos militares nesse período. Também existem denúncias de omissão de socorro. Num dos casos, uma ambu-lância que chegou ao Forte para socorrer mora-dora em trabalho de parto teria sido simples-mente barrada na entrada do local. Por contadisso, um morador teve que levá-la em seu car-ro até o hospital. Em outro episódio semelhan-te, a moradora Vanda Leão Barbosa passou malna calçada do Forte Rio Branco, mas não pôdeser socorrida porque um tenente do Exército impediu que lhe fosse prestado qualquer tipode auxílio. Esse caso gerou registro de ocorrên-cia na 79ª DP por omissão de socorro, ameaçae constrangimento ilegal. Resultado: não deuem nada. Segundo o morador Fábio Ferreira daSilva, eles agora sequer têm registrado queixa contra esse tipo de abuso, já que nunca dá em nada. Fábio nos contou que, em 95, foi agredido por soldados quando voltava para casa. O caso gerou um IPM, mas, nas palavras dele, “ficou tudo por isso mesmo. Toda a situação que ocor-re aqui com a gente eles transformam em pro-blema. Hoje, sou surdo e mudo por aqui.”Se engana, no entanto, quem pensa que acabou a lista de arbitrariedades. Só para seter uma idéia, os moradores da Aldeia Imbuhy só podem entrar no Forte se estiverem muni-dos da chamada “permissão de morador”, único documento que os habilita a ter acesso ao lo-cal onde moram há anos. Como se não bastas-se, eles só podem receber em suas casas cincovisitantes de cada vez, devendo ainda assimcomunicar ao Exército os nomes dos mesmos com pelo menos 48 horas de antecedência. Nas palavras de Aílton Nunes Navega, presidenteda Associação de Moradores do Forte Imbuhy,“nem o Elias Maluco tem limite de visitas, mas nós temos: são só cinco pessoas de cada vez.”Em 95, os aldeões foram proibidos de utilizaros telefones públicos existentes no interior do Forte. Algum tempo depois, os telefones foramsimplesmente retirados. Hoje, é proibido insta-lar novas linhas telefônicas no local.Em nossa visita à Aldeia Imbuhy, pude-mos perceber que grande parte das casas lá existentes encontra-se em péssimo estado de conservação. Isto ocorre simplesmente por-que o Exército não permite a entrada de ma-terial de construção no local. O objetivo por trás desta medida, segundo Aílton Navega,é “deixar que tudo se deteriore, pois isso, na visão deles, facilita a nossa expulsão daqui”. Em 2004, a Defesa Civil chegou a condenare interditar uma das casas da Aldeia, por es-tar “colocando vidas em risco”. Os moradores conseguiram junto à prefeitura uma doaçãode material de construção para fazer obras na casa, mas o Exército impediu a entrada des-se material nas dependências do Forte. Tive-mos acesso a uma notificação da Defesa Civil que diz: “... embora esta Coordenadoria tenha comunicado ao comando do Forte do Imbuhy da situação de risco que encontra-se o seu imóvel apontado no relatório número 791/04 originando uma interdição, não nos foi per-mitido na data de 27/07/2004, a entrega de 1000 (mil) tijolos e 10 (dez) sacos de cimen-to através do ‘Projeto Morar Certo’. Esclareço ainda que os materiais seriam para realizar a segurança do seu imóvel.” A verdadeira guerra de nervos travada entre aldeões e o Exército, como se vê, já pro-duziu um sem-número de arbitrariedades.



Em conseqüência disso, das 800 famílias que originalmente habitavam o local, restam hoje apenas 32. Atualmente, apesca, que durante décadas foi a ativi-dade responsável pelo sustento de boa parte dos moradores, quase não é mais praticada. Isto porque os militares passaram a confiscar 10% do pescado, além de proibirem a entrada de cami-nhões pesqueiros no Forte. Hoje, após mais de uma década de conflitos com o Exército, os aldeões que restaram no Imbuhy estão ameaçados de despejo do local onde nasceram e cresceram por uma ação de reintegração de posse“Ameaça à segurança nacional”A justificativa do Exército para desa-lojar os moradores da Aldeia Imbuhy é de que a presença deles no interior da fortale-za militar constitui “ameaça à segurança nacional”. No entanto, documentos revelam que os militaresrealizam uma série de eventos no Forte: réveillon, happy hour, churrascos, rodeios e festas em geral. Tudo sempre com muita bebida alcoólica, é claro. É curioso observar como, na concepção do Exérci-to brasileiro, a presença de milhares de pessoas es-tranhas no interior do Forte em eventos como esses não parece constituir ameaça à segurança nacional. Enquanto isso, 32 famílias que lá vivem há décadas são vistas como um grande perigo que precisa ser eliminado “pelo bem da pátria”. Nas palavras de Aílton Navega, “ isso aquinão é área de segurança nacional coisa nenhuma.É área de lazer dos militares, que ganham muitodinheiro alugando o espaço para eventos e venden-do passes àqueles que desejam freqüentar a Praia do Imbuhy. Em fins de semana de sol, isso aqui fica coalhado de gente!” Decidimos checar a informação de que há comércio de passes para se freqüentara praia do Forte. Em telefonema ao 21º Grupo deArtilharia de Campanha, que administra o local,fomos informados de que, para freqüentar a Praia do Imbuhy, é necessário ter um passe que custa a bagatela de R$ 400,00. Tudo pago à vista e emdinheiro. Nesse contexto, fica mais fácil entender porque tanta fixação em expulsar os aldeões, que “ isso aqui não é área de segurança nacional coisa nenhuma.É área de lazer dos militares,que ganham muito dinheiro alugandoo espaço para eventos e vendendo passes àqueles que desejam freqüentar a Praia do Imbuhy ”Aílton Navega .Certamente devem estar atrapalhando os negócios.A sentença judicial que ordena a reintegração de posse nos chamou a atenção por ser extrema-mente dura com os aldeões. Há uma parte do textoda sentença que diz: “declaro ser legítimo o direito da UNIÃO, pela Administração Militar, exercer po-der normativo e de polícia no âmbito de suas atri-buições (...) Declaro ainda ser legítimo o exercício do atributo da auto-executoriedade deste mesmo poder de polícia, autorizando a UNIÃO, pelos seus prepostos, por exemplo, a apreender mercadorias e a demolir as benfeitorias edificadas a partir das notificações realizadas em julho de 1995, bem como impedir que outras sejam feitas, salvo as absolu-tamente necessárias à segurança dos moradores.” Trocando em miúdos, a sentença emitida pelo juizfederal Rogério Tobias de Carvalho atribui ao Exér-cito poder de polícia numa contenda em que esse braço das Forças Armadas está diretamente en-volvido. Com o clima de guerra vigente na AldeiaImbuhy há mais de dez anos, dá para imaginar a carnificina que vai acontecer caso os militares resolvam se utilizar da “auto-executoriedade destemesmo poder de polícia” para desalojar os aldeões. Diante da iminente consumação dessa verdadeira tragédia anunciada, a Associação de Moradores da Aldeia Imbuhy enviou carta soli-citando providências ao presidente Lula e a seu vice. Num trecho da carta, se lê: “Os aldeões, ao verem suas casas demolidas e seus pertences jogados no meio da rua sem terem para onde ir talvez reajam de forma emotiva, inconseqüente e insensata, desencadeando desta forma, uma onda de violência de conseqüências imprevisí-veis e que certamente nos fará relembrar, doze anos após, a Chacina de Eldorado dos Carajás, só que desta vez, acontecendo em pleno coração cultural do país. Nossas autoridades constituídas tomarão conhecimento do fato somente por ocasião da remoção e sepultamento de corpos de homens, mulheres e crianças.” A única resposta recebida até hoje, que partiu do vice-presidente José de Alencar, veio em forma de telegrama e diz apenas: “transmito votos de que o assunto relatado por Vossa Senhoria se encaminhe den-tro da lei.” Diante dessa situação, Aílton Navega desabafa: “Nós resistimos à Ditadura Militar e agora, em pleno governo popular do Partido dos Trabalhadores, vamos sair daqui sem nada.”O pai de Aílton, Antônio Navega, mora na Aldeia Imbuhy há 82 anos. Em 1939, che-gou a servir ao Exército no Forte Imbuhy, tendo sido depois transferido para o batalhão de Santa Cruz. De acordo com ele, durante muito tempo a convivência entre moradores e mili-tares foi, na medida do possível, harmônica. Hoje, no entanto, os aldeões estão na iminên-cia de serem expulsos do local onde passaram suas vidas inteiras. A possibilidade de sair doImbuhy é qualificada por S. Antônio em uma palavra: “Nenhuma”. Como ele, diversos outros moradores construíram suas vidas na-quele lugar e muitos sequer têm para onde ir. O advogado dos aldeões, Arthur Floriano Peixoto, fez várias críticas à maneira como esse processo tem sido conduzido pela Justiça. “A parcialidade da Justiça nesse caso é revol-tante. Inclusive porque existem dois precedentes de casos semelhantes, ambos com ganho de causa para os aldeões do Imbuhy. Além disso, a União teria perdido o prazo de defesa duas vezes ao longo do processo. Ainda assim, obteve ganho de causa. Querem botar as pessoas para fora na marra sem pagar nada. Para ha-ver uma reintegração de posse, a União teria que provar a posse anterior do local, ou então que foi desempossada pelos aldeões. Ela não fez nenhuma das duas coisas, e por um motivo muito simples: os aldeões chegaram primeiro no local, isso está muito claro. Até porque, setivessem chegado depois, o Exército não permitiria que se instalassem”, afirma. Antônio Navega, morador da Aldeia há mais de 80 anos, serviu no Forte Imbuhy e diz não ver posibilidade de deixar sua casa.

Um comentário:

  1. É isso aí galera
    Tamo junto
    comunidadeeditoria.blogspot.com
    inversoeaocontrario.blogspot.com

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